I. Definições básicas
Vamos começar com um pouco de contexto.
Transgênero: Um termo guarda-chuva que cobre todas as identidades de gênero ou suas expressões que transcendem regras sociais e conceitos de gênero. Ser trans significa se identificar com um gênero diferente daquele que foi atribuído ao nascimento. A categoria transgênero inclui pessoas que tem as identidades de gênero binárias de mulher (mulheres transgênero) e homem (homens transgênero). O guarda-chuva transgênero inclui pessoas com identidades de gênero não-binárias. Porém, algumas pessoas não-binárias podem não se dizer transgênero.Não-binárie ou não binárie: Alguém com qualquer identidade de gênero que não se encaixa dentro do binário de homem e mulher. O gênero de uma pessoa não-binária pode incluir conexões ou partes dos gêneros homem ou mulher, mas alguém conta como não-binárie desde que não seja 100% apenas um desses gêneros.[Descrições de imagem: Bandeira de orgulho transgênero (1999); Bandeira de orgulho não-binário (2014)]
II. Xenogênero por si só
Imagens: Três bandeiras diferentes para xenogêneros em geral. A primeira é a versão que é usada com mais frequência.
Xenogênero: Uma identidade de gênero não-binária que não pode ser contida por entendimentos humanos de gênero; possui mais preocupação com a construção de outros métodos de categorizações de gênero e hierarquias como aquelas relacionadas a animais, plantas, e outras criaturas ou coisas. É principalmente um termo guarda-chuva para gêneros com temas como substantivos, arquétipos, experiências sinestéticas e neurodivergências.O termo xenogênero foi cunhado em 2014 por usuárie Baaphomett no Tumblr em um envio para o blog MOGAI-Archive, e tem sua origem em xeno (que significa alienígena). É um termo guarda-chuva para rótulos de gênero que são "fora do comum", gêneros que são descritos em relação a animais, plantas, ou praticamente qualquer outra coisa. Alguns exemplos de xenogêneros são estetigênero, treniane, juíne e nekogênero. Xenogêneros não são apenas para pessoas neurodivergentes, mas são comumente usados para aquelus entre nós cujas neurodivergências afetam como nos percebemos e como entendemos gênero.
➥ Perguntas comuns
II. Xenogênero por si só
"Xenogêneros são sérios?"
➜ Geralmente, sim. Mas, ao mesmo tempo... e se não forem? Que diferença faz? Assim, ser trans/não-binárie não precisa ser sempre essa experiência imaginada de sofrimento constante. Temos permissão de descrever nossas experiências vividas de gênero de maneiras rebuscadas. Quantas vezes você já não viu os gêneros homem e mulher serem descritos de maneiras ridículas e pouco sérias?"Isso está causando mal para pessoas trans de verdade?"
➜ Se você está perguntando isso, quero lhe fazer uma pergunta - o que você está definindo como uma pessoa trans "de verdade"?Em sua opinião, alguém só é trans/não-binárie de verdade se tiver disforia de gênero e/ou quiser transicionar fisicamente com um objetivo de "parecer mais" homem/mulher? Xenogêneros, aliás, não dizem nada sobre a disforia de alguém, mas a Associação Médica Mundial, a Organização Mundial da Saúde, a Associação Americana de Psicologia e [muitas outras fontes] (https://heterosexualisnotadefault.tumblr.com/tagged/dysphoria) concordam que nem todas as pessoas transgênero sofrem com disforia, e portanto isto, e transicionar, não são requerimentos para ser trans.Alguém só é trans/não-binárie de verdade se pode passar? E pessoas trans/não-binárias que fisicamente nunca poderão passar por conta de como seus corpos são, ou porque fisicamente não podem usar binders ou aquendar, tomar hormônios, ou ter cirurgias por conta de condições de saúde?Em sua opinião, alguém só é trans/não-binárie de verdade se descrevem seu gênero de forma que "faz sentido"? Para algumas pessoas cis, apenas ser uma pessoa trans binária (mulher trans/homem trans) não faz sentido algum. Para algumas pessoas cis, ser não-binárie de qualquer maneira não faz sentido algum.Etc.É importante entender que o que uma pessoa pode pensar quando pensa em "uma pessoa trans de verdade" pode vir da exclusão da maior parte da população trans.Em adição a isso, gostaria de adicionar que eu, o autor deste Carrd, sou uma pessoa trans "de verdade" "oficialmente". Tenho um diagnóstico oficial de disforia de gênero e sou reconhecido como transgênero. Não me sinto nem um pouco ameaçado por gêneros "estranhos", porque entendo que estas são apenas experiências vividas por outres.
"Por que se identificar desta forma?"
➜ A seguinte lista de exemplos é usada com permissão:
Muitas pessoas sentem que podem descrever seu gênero com substantivos ou outras descrições diferentes de termos típicos para gêneros (homem/mulher, masculine/feminine, neutre/não-binárie, etc). Da mesma forma que uma pessoa não-binária pode se sentir alinhada com o gênero homem ou com feminilidade, uma pessoa não-binária pode sentir que a forma que ela experiencia gênero é mais alinhada com, digamos, um animal ou planeta. Esta pessoa pode explicar a forma que seu gênero parece ter através de objetos, criaturas, arquétipos, etc. de forma mais fácil do que usando descrições típicas para gêneros.
Alguém pode sentir euforia de gênero usando ou achar fácil usar algo visual ou relacionado com outra sensação como uma explicação para seu gênero ao invés de tentar explicar suas sensações complexas de gênero ou se encaixar em categorias típicas de gênero.
Neurodivergência pode afetar como alguém percebe gênero em vários sentidos. Talvez ume sinesteta tenha algum tipo de experiência sensorial relacionada com seu gênero, ou uma pessoa autista não consiga se encaixar em categorias típicas de gênero porque elas não fazem sentido para si, etc.
Aquelus que são otherkin, therians, otherhearted ou alterumanes de outra forma podem se sentir bem mais ligades às suas identidades alterumanas em termos de gênero - por exemplo, ume therian de gate pode se identificar mais com um gênero relacionado com gates, ou uma pessoa alienkin pode sentir que seu gênero seria compreendido melhor em outro planeta.
Rótulos xenogênero também são usados por muitas pessoas genderfuck/genderpunk/etc. que querem rejeitar as noções típicas de gênero. [NT: genderfuck se refere a alguém que tenta confundir pessoas sobre seu gênero de propósito e genderpunk se refere a uma cultura de resistência contra normas de gênero e outras opressões.]
Gênero é um conceito humano, e muites de nós simplesmente interpretamos gênero de formas muito diferentes!
➥ Posições anti-xenogênero comuns
IV. Posições anti-xenogênero comuns
"Gêneros de Tumblr/xenogêneros/neorrótulos são o motivo de pessoas não nos levarem a sério!"
➜ Isso é puramente e simplesmente culpar as vítimas. Tentar colocar a culpa em outras pessoas que estão tentando encontrar termos para descrever seu gênero/orientação/etc. é uma bola de neve ou rampa escorregadia, e tentar fazer pessoas se sentirem culpadas e voltar pro armário pra agradar pessoas cis e hétero nunca vai funcionar. Não existimos para agradar essas pessoas. Esta linha de pensamento é extremamente perigosa, e já foi aplicada pra todas as identidades cisdissidentes.
"Autigênero? Você está fazendo com que todes nós pareçamos [insira palavra estigmatizada capacitista/psicomísica]!"
"Agênero? Não é possível não ter um gênero, você está fazendo com que todes nós pareçamos [insira palavra estigmatizada capacitista/psicomísica]!"
"Transgênero? Não, você teve o gênero homem ou mulher atribuído ao nascimento! Você está fazendo com que todes nós pareçamos [insira palavra estigmatizada capacitista/psicomísica]!"
E por assim vai... fiscalizar o portão é o ato de atacar a identidade vista como "elo mais fraco" e, rapidamente, ela pode ser sua identidade. Como uma comunidade, nós precisamos nos unir contra transmisia e sua causa real: pessoas transmísicas e seu sistema.Transmisia não é culpa de pessoas trans, e nunca será.
Se alguém vai na internet, vê pessoas que se identificam de forma 'esquisita' e passa a falar que não respeita mais pessoas trans/não-binárias? Adivinhe só: Elu nunca nos respeitou, e estava procurando por uma desculpa pra dizer isso. Elu é completamente e definitivamente transmísique."Não importa do que você se chama, você ainda é biologicamente homem ou mulher."
➜ Aqui está a questão: O binário de gênero presumido é uma regra que não é tão gravada na pedra quanto algo que virou uma parte de certas sociedades humanas a partir de milhares de anos de desenvolvimento, e o conceito de um gênero binário como o entendemos hoje é fortemente influenciado por racismo e diadismo.
Parece muita coisa? Com certeza é. Este é um assunto enorme, que deve ser pesquisado por si só caso você tenha interesse nele. Você também pode checar esta tag no meu blog.[NT: O conceito de existirem apenas gêneros binários é forte por conta do colonialismo queermísico europeu, já que muitas identidades vistas como cisdissidentes dentro dele são normalizadas em culturas que não são eurocêntricas; alguns exemplos podem ser encontrados aqui. O diadismo é em relação ao apagamento de pessoas intersexo e do quanto variações intersexo são separadas dos sexos típicos, enquanto sociedades diadistas classificam tais variações como defeitos das duas corporalidades aceitas.]Sexo é uma coleção de características que, enquanto geralmente dimórficas, podem variar fortemente na população, e algumas mudam com o tempo. Enquanto os termos "macho" e "fêmea" possuem alguma utilidade, não devemos vê-los como uma dicotomia estrita ou mutualmente exclusivos. Ao invés disso, "fêmea" e "macho" são mais termos guarda-chuva que descrevem grupos de pessoas (ou animais) que em geral possuem várias das mesmas características, mas com variabilidade considerável e algumas exceções.
Pessoas Transgênero & Mitos do Sexo Biológico, Julia Serano, 2017. [Inclui mais fontes]Nas aula de biologia da escola, quase todes aprenderam que se você tem cromossomos XX, você é uma mulher; se você tem XY, você é um homem. Esta simplificação cansada é ótima pra ensinar a importância de cromossomos, mas trai a natureza real do sexo biológico. A crença popular de que seu sexo vem apenas de seus cromossomos está errada. A verdade é, seu sexo biológico não está inscrito na pedra, e ao invés disso é um sistema vivo com o potencial de mudanças.Por quê? Porque sexo biológico é muito mais complicado que XX ou XY (ou XXY, ou só X). Indivíduos XX podem ter gônadas masculinas. Indivíduos XY podem ter ovários. Como? Através de um conjunto de sinais genéticos complexos que, durante o curso do desenvolvimento humano, começa com um pequeno grupo de células chamadas de primórdio bipotencial [NT: peço desculpas se isso estiver errado, é um termo técnico e não achei tradução exata] e um gene chamado SRY.
[...]
...Meio século de pesquisa empírica repetidamente desafiou a ideia de que biologia cerebral é simplesmente XY = cérebro de homem e XX = cérebro de mulher. Em outras palavras, não existe algo como "cérebro de homem" ou "cérebro de mulher".
Parem de usar Ciência Fajuta para Justificar Transfobia, 2019[Uma afirmação validando a existência de pessoas transgênero] (https://not-binary.org/statement/) assinada por 2617 cientistas, a maioria de ciências naturais como biologia, neurociência, antropologia biológica, bioquímica, genética e psiquiatria. "Não existem testes genéticos que podem determinar gênero de forma não ambígua, ou até mesmo sexo..."
Na mitologia da Mesopotâmia, entre os primeiros registros escritos da humanidade, existem referências a tipos de pessoas que não são homens ou mulheres. Num mito de criação da Suméria encontrado em uma tábua de pedra do segundo milênio a.C., a deusa Ninmah modela um ser "sem o órgão masculino e sem o órgão feminino", para quem Enki encontra uma posição na sociedade: "ficar diante do rei".
Na Babilônia, Suméria e Assíria, certos tipos de indivíduos que realizavam papéis religiosos em serviço de Inanna/Ishtar foram descritos como um gênero à parte.
Pedaços de cerâmica com inscrições do Império Médio do Egito (aproximadamente 2000-1800 a.C.), encontrados perto da antiga Tebas (atual Luxor, Egito) listam três gêneros humanos: tai (homem, sḫt (“sekhet”) e hmt (mulher).
Os Vedas (aproximadamente 1500 a.C. até 500 a.C.) descrevem indivíduos como parte de uma das três categorias, de acordo com a natureza ou prakrti de cada um. Estas também estão descritas no Kama Sutra (aproximadamente quarto século d.C.) e em outros lugares como pums-prakrti (homem-natureza), stri-prakrti (mulher-natureza) e tritiya-prakrti (terceira-natureza).
Muites interpretaram "eunucos" do mundo do leste Mediterrâneo antigo como um gênero à parte que habitava um espaço liminar entre mulheres e homens, entendido em suas sociedades como nenhum destes ou ambos estes gêneros em alguma forma. Na História Augusta, o corpo eunuco é descrito como tertium genus hominum (um terceiro gênero humano).
A antiga civilização Maia pode ter reconhecido um gênero diferente de homem ou mulher, de acordo com o historiador Matthew Looper. Looper nota a Divindade do Milho andrógina e a deusa da Lua masculina na mitologia maia, e a iconografia e inscrições onde governantes representam ou personificam essas divindades. Ele sugere que esse gênero poderia também ter incluido indivíduos dois-espíritos com papéis especiais como curandeires ou advinhes.
Antropologista Rosemary Joyce concorda, escrevendo que "gênero era um potencial fluido, não uma categoria fixa, antes des espanholes virem para a Mesoamérica. Treino na infância e rituais davam forma, mas não fixavam, o gênero que alguém teria quando adulte, o que poderia encompassar identidades diferentes de "homem" e "mulher", assim como orientações heterodissidentes. No auge do período Clássico, governantes maias se apresentavam como personificadóries de todas as possibilidades de gêneros, de homem até mulher, vestindo fantasias que se misturavam e representando papéis de homens e de mulheres em cerimônias estatais."
Academicista de estudos andinos Michael Horswell escreve que atendentes de rituais de um gênero à parte para chuqui chinchay, uma divindade jaguar Inca, eram "atóries vitais em cerimônias Andinas" anteriores à colonização espanhola.
No Paquistão, hijras possuem reconhecimento oficial como um gênero à parte pelo governo.
Fonte da lista acima (inclui mais fontes).Desculpe pela quantidade de texto, mas o ponto que quero fazer aqui é: a reação "você não é biologicamente estetigênero!! Você é só homem/mulher!! Portanto sua identidade é [palavra estigmatizada capacitista]!!" que ouço tantas vezes... não é realmente baseada em ciência de verdade. A biologia de pessoas trans não importa e não invalida seus gêneros, porque biologia não possui relações reais com gênero. Nem para pessoas cis. Gênero como o entendemos é baseado no apagamento histórico de identidades além das binárias.
Se você está tentando usar biologia pra parecer mais "esperte" do que quem "acredita em gêneros não-binários", a piada é você.
➥ Conclusão
Conclusão
[Descrição de imagem: Bandeira de orgulho xenogênero (2017)]Enquanto xenogêneros podem ser difíceis de entender de primeira, é importante entender que (a maioria entre) esses termos são cunhados porque alguém lá fora estava genuinamente com dificuldades de encontrar um rótulo que era confortável para sua identidade de gênero, e descobriu que sua experiência de vida real não poderia ser descrita adequadamente por descrições mais comuns como "homem", "mulher", "gênero neutro", e que descrever sua experiência ligando-a a algo diferente realmente ajudou. Algumas vezes isso pode ser algo que parece "bobagem", como mídia, estética e outras coisas mais diferentes.Você pode não entender como [insira algo aqui] pode ser um gênero, e está tudo bem. Algumas vezes nós como seres humanos não iremos conseguir entender completamente uma experiência porque é uma que nunca teremos, e isso não significa que a experiência é inválida.
Nenhum gênero é inventado ou falso.
Ainda está confuse em relação a algo? Fico feliz em responder perguntas que estão sendo perguntadas em boa fé.
[NT: Caso você tenha perguntas de boa fé mas não saiba inglês, você pode tirar dúvidas sobre xenogêneros e outros assuntos LGBTQIAPN+ aqui.]